Sandra Franco*
O modelo
de saúde suplementar no Brasil enfrenta uma crise já anunciada. O setor
apresenta mais de 1,3 mil operadoras e a maior parte dos beneficiários pertence
a planos empresariais. Em tempos de crises de demissões de trabalhadores, não é
estranho verificar a queda no número total de usuários. Os planos de saúde
perderam 818 mil clientes nos primeiros cinco meses deste ano, segundo dados
divulgados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Negativa
de cobertura, reajustes de mensalidade e problemas em planos empresariais após
a aposentadoria estão entre as principais reclamações e pontos de discussão
entre os clientes e as operadoras no Poder Judiciário.
A
regulamentação atual dos planos de saúde privados se demonstra insuficiente para
barrar uma onda de ações que assolam os tribunais brasileiros. Importante
ressaltar que uma das principais características que provocam essas “batalhas”
é o fato de as empresas afastarem ou excluírem dos planos os usuários mais
idosos. Essa exclusão se dá por sucessivos reajustes abusivos, negativas de
procedimentos de alta complexidade ou até do cancelamento dos planos quando a
pessoa começa a ficar doente.
Em cinco
anos, o número de ações judiciais contra planos de saúde quintuplicou em São
Paulo, segundo o estudo da Faculdade de Medicina da USP. Ao levantar todos os
processos contra operadoras no Estado, os pesquisadores verificaram que o
número de ações julgadas em segunda instância passou de 2.294, em 2010, para
11.480 em 2015, alta de 400%. A alta foi muito superior ao índice de
crescimento de clientes de planos de saúde no Estado. No mesmo período, passou
de 17,3 milhões para 18,3 milhões o número de beneficiários, avanço de 5%.
Esse
aumento é o reflexo da falta de um melhor entendimento dos nossos governantes e
reguladores dos problemas sanitários e do sistema de saúde no país. É
necessário que se pare de enxergar o cliente de plano de saúde apenas com o um
número ou pelas cifras que ele poderá vir a somar para as empresas. É essencial
uma mudança cultural sobre o atendimento, a proteção ao consumidor e também
sobre como as empresas podem auxiliar o Governo Federal na evolução da saúde no
Brasil.
As
operadoras de plano de saúde têm um papel relevante, principalmente pelo falho
e caótico Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, a Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) precisará criar políticas específicas para que as operadoras
invistam em prevenção da saúde: tais medidas seriam importantes para o que o
segmento continue a existir. A população brasileira envelhece e outro caminho
não há senão preparar o sistema privado e público para se combater a
judicialização contra os planos de saúde.
Os
números revelados pelos pesquisadores da USP demonstram, mais uma vez, a já
conhecida e pouco combatida fragilidade do sistema de saúde privado brasileiro.
As práticas abusivas dos planos continuam sendo usuais e os reguladores, apesar
de noticiarem a suspensão de venda de alguns planos periodicamente, não atuam
de forma eficaz para uma transformação eficaz administrativa e financeiramente
para pacientes e empresas.
Não se
pode falar da saúde privada, sem referência à saúde pública. Com a migração das
classes C e D, na última década, para a saúde suplementar, esperava-se um
esvaziamento dos serviços públicos – ainda não constatado. Sobram pacientes,
faltam recursos. Sobram problemas, faltam soluções eficazes. Porém, esse
cenário está sofrendo um reverse automático nos últimos meses, por conta da
crise econômica. Muitas famílias resolveram cancelar seus planos de saúde pela
falta de estabilidade financeira e para enxugar os custos familiares. E,
infelizmente, voltaram a fazer parte de uma estatística triste de milhões de
brasileiros que enfrentam filas nas portas e corredores de hospitais públicos.
Este
ciclo vicioso deságua no Judiciário, pois seja o paciente da saúde privada ou
pública que sofra uma negativa de atendimento, cirurgia ou procedimento, ele
buscará a Justiça como solução. A ANS está se esforçando em seu papel de
reguladora. Porém, ainda falta muito para que os regulados cumpram suas
obrigações sem que estejam a todo tempo sob o poder coercitivo da lei.
E o
paciente que busca o Judiciário tem seus direitos amparados. A palavra mais
importante para as operadoras ainda é o lucro, todavia isso é inadmissível quando
o objeto do contrato é a prestação do serviço em saúde, esta sem dúvida,
essencial na preservação da dignidade humana.
*Sandra Franco é consultora jurídica especializada
em direito médico e da saúde, doutoranda em Saúde Pública, presidente da
Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São José dos Campos (SP) e
membro do Comitê de Ética para pesquisa em seres humanos da UNESP (SJC) e
presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde –
drasandra@sfranconsultoria.com.br
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